As pessoas dizem que amigos não destroem uns aos outros
O que elas sabem sobre amigos?
— “Game Shows Touch our Lives”, The Mountain Goats
Cidades de Papel, de John Green, é um livro que ocupa um lugar especial no meu coração, tanto pelo momento em que chegou até mim quanto pela pessoa que o presenteou. É uma obra que sempre me tocou profundamente, desde a primeira leitura até cada releitura, trazendo uma onda de emoções e reflexões que nunca falha em me impactar. Talvez por isso, ele seja um dos meus favoritos. Embora o final seja alvo de muitas críticas, para mim, ele é essencial para complementar o propósito do livro. Se a história terminasse como esperamos ou torcemos ao longo da narrativa, ela perderia sua profundidade e o impacto do contexto como um todo.
A trama gira em torno de Quentin Jacobsen, um adolescente comum e certinho, que desde criança nutre uma paixão por sua vizinha e amiga de infância, Margo Roth Spiegelman. Quando pequenos, eles compartilham um evento marcante ao encontrarem o corpo de um homem morto em um parque. Enquanto Quentin tenta esquecer o ocorrido, a interpretação de Margo — que descreve a morte como resultado de “fios que se romperam” — deixa uma impressão duradoura nele, moldando a maneira como ele a enxerga.
Com o passar do tempo, os caminhos de Quentin e Margo divergem. Ele se torna o típico nerd, enquanto ela é a garota popular e enigmática, sempre cercada por mistérios e aventuras excêntricas, como desaparecer por dias ou viajar com o circo. Uma dessas aventuras os aproxima quando Margo recruta Quentin para ajudá-la a executar um elaborado plano de vingança contra colegas de escola. Logo após, Margo desaparece novamente, deixando para trás uma série de pistas.
“Nada acontece como a gente acha que vai acontecer.”
Determinados a encontrá-la, Quentin e seus amigos, Ben e Radar, embarcam em uma busca que os leva às “cidades de papel” — lugares fictícios ou inacabados, que se tornam uma metáfora para a fragilidade das relações humanas e a superficialidade do mundo ao redor. No entanto, conforme a busca avança, Quentin percebe que o mistério de Margo é mais profundo do que imaginava. Talvez ela nunca tenha sido a garota que ele idealizou durante todos esses anos.
John Green utiliza essa busca para explorar algo mais profundo: como enxergamos as pessoas ao nosso redor. Na maioria das vezes, não conhecemos verdadeiramente ninguém; vemos apenas a imagem que projetamos delas, baseada no pouco que nos mostram — e, frequentemente, essa imagem é moldada por nossas próprias vivências, expectativas e desejos. É uma reflexão sobre o quanto nossas interpretações são subjetivas. Muitas vezes, só percebemos o quanto desconhecemos alguém quando algo inesperado acontece.
O livro também fala sobre as dificuldades em aceitar as pessoas como são, especialmente quando elas não correspondem às nossas expectativas. Relacionar-se, seja em uma amizade ou em algo mais profundo, exige compreender as diferenças e encontrar equilíbrio entre os nossos interesses e os das pessoas ao nosso redor. No final, Quentin percebe que, por mais que deseje estar com Margo, isso não seria o melhor para ambos. Saber reconhecer o momento de desistir ou deixar ir é uma das lições mais difíceis — e importantes — que aprendemos na vida.
“É muito difícil ir embora - até você ir embora de fato. E então ir embora se torna simplesmente a coisa mais fácil do mundo.”
Cidades de Papel também aborda a importância das amizades, especialmente na adolescência. A relação de Quentin com Radar, Ben, Angela e Lacey é construída com respeito, apoio e, às vezes, concessões. São essas conexões que mostram o verdadeiro significado de amizade e como ela pode nos ajudar a crescer.
Outro ponto brilhante do livro é a metáfora das "vidas de papel". Ele reflete sobre como nossas rotinas e vidas superficiais podem nos transformar em “pessoas de papel” — frágeis, sem profundidade e desconectadas de nós mesmos. No entanto, o livro também nos lembra que o papel é onde escrevemos histórias. Basta paciência e interesse para explorar o que está além da superfície, seja nos livros ou nas pessoas.
Embora o final tenha gerado críticas, para mim, ele é o complemento perfeito para a mensagem do livro. Um desfecho idealizado enfraqueceria o propósito da narrativa. Cidades de Papel é um livro que nos ensina que a vida, as pessoas e as relações não são como idealizamos, mas é possível encontrar beleza e aprendizado quando enxergamos a realidade como ela é.
“Fico de pé no estacionamento, me dando conta de que nunca estive tão longe de casa, e aqui está a menina que amo, mas que não posso seguir. Espero que seja esta a provação do herói, porque não ir atrás dela é a coisa mais difícil que já tive que fazer.”
País - Read Around the World Challenge: Estados Unidos
Muito bom, Letícia, você fala de mim, mas você arrasa, vou comprar para ler. Obrigado, um abraço.🙏